Gerenciamento do motor de um protótipo elétrico Deixe um comentário

Em outro artigo em parceria com a Ecocar Unicamp, explicaremos como podemos gerenciar e controlar o motor de um protótipo elétrico, descrevendo suas características e os principais fatores que influenciam na escolha do motor e projeto do controlador.

Funcionamento de um motor elétrico

Para compreender como se dá o gerenciamento do motor de um protótipo elétrico, precisamos compreender os motores elétricos em geral. Presentes em diversas partes do nosso dia a dia, desde computadores até geladeiras, os motores elétricos transformam energia elétrica em energia mecânica, sendo especialmente dominantes na indústria. Podem ter alimentação por Corrente Contínua (CC) e Corrente Alternada (CA), sendo a primeira corrente característica de pilhas, baterias e fontes de alimentação e a segunda corrente encontrada na fiação elétrica convencional. Classificam-se também em motores síncronos e assíncronos em que, se a velocidade mecânica do rotor é igual à velocidade de rotação do campo magnético do estator, temos um motor síncrono. Caso contrário, se a velocidade mecânica do eixo é diferente da velocidade do campo, a máquina é denominada motor ou gerador assíncrono.

Os motores elétricos são constituídos de duas partes fundamentais: estator e rotor. O estator, como o nome diz, é a parte estática do motor, que pode ser interna ou externa. Já o rotor é a parte movida, geralmente interna ao estator. 

Para realizar a escolha certa de motor para cada aplicação, alguns fatores devem ser analisados:

  • Potência e torque desejados
  • Densidade de torque (torque fornecido para cada unidade de massa)
  • Eficiência energética (razão entre a potência mecânica fornecida e a potência elétrica consumida)
  • Confiabilidade
  • Custos
  • Manutenção

 

Entre as principais vantagens do motor elétrico em relação aos motores à combustão, podemos citar: alta eficiência energética (>85%); poucas peças móveis, implicando em baixa manutenção, maior faixa de velocidade operacional, descartando a necessidade de transmissão, peso reduzido, alta densidade de energia e torque, refrigeração simples e podem utilizar energia renovável, a depender da alimentação fornecida. Por outro lado, entre as desvantagens podemos citar o alto valor associado a motores de grande potência e a dependência da bateria, uma forma de armazenamento energético de baixa densidade e com reabastecimento demorado.

 

Você sabe a diferença entre motores de corrente contínua e alternada?

A diferença fundamental entre um motor CC e um CA é a forma de alimentação. Enquanto o motor CC depende exclusivamente de alimentação monofásica e constante, o motor CA pode ser alimentado por ambas fontes mono e trifásicas, sendo cada fase uma corrente alternada.

As diferenças na alimentação, portanto, implicam em uma série de diferentes comportamentos entre os motores. O motor CC opera de modo único, gerando um campo magnético em direção fixa que atravessa a armadura em conjunto com um comutador, o qual fixa o sentido da corrente alinhada com a armadura, garantindo assim a continuidade do torque gerado. Desse modo , o torque gerado é linearmente associado com a diferença de potencial fornecida. Em contraste, o motor CA pode operar com correntes mono ou polifásicas, de forma síncrona ou assíncrona. A diferença do número de fases é percebida na potência, sendo que os monofásicos entregam menor força, dependendo de capacitores carregados para sua partida e normalmente reservados para pequenas aplicações como por exemplo liquidificadores, ventiladores, etc. Já os polifásicos são utilizados para aplicações de maior potência, como motores industriais e de veículos automotivos, pois é possível extrair uma maior potência mecânica a partir da corrente fornecida para o motor, fator explicado pela característica senoidal da alimentação. Entre motores síncronos e assíncronos a diferença é a dependência da frequência de alimentação, onde enquanto os motores síncronos são completamente dependentes da frequência, os assíncronos possuem certo grau de escorregamento, ou seja, o rotor tem uma diferença de velocidade com o campo induzido, necessário para gerar o torque. Estes motores costumam ter menor custo de produção e alto torque de início, sendo assim muito úteis em contextos industriais.

Exemplo de motor de protótipo elétrico usado na ecocar. Modelo BG95x80. Fonte: Dunkermotoren
Exemplo de motor de protótipo elétrico usado na ecocar. Modelo BG95x80. Fonte: Dunkermotoren

 

Quais são os tipos de motores de corrente contínua? Quais as diferenças de um motor brushless e um motor DC escovado?

Entrando no universo dos motores de corrente contínua, temos os motores escovados (convencionais) e os motores sem escovas (BLDC).

As escovas fazem parte do estator do motor elétrico, que conduz a corrente elétrica para o rotor. Através delas é feita a comutação do motor, ou seja, a corrente muda de sentido nas bobinas do estator, mudando assim a direção do campo magnético gerado e consequentemente a direção da força magnética no rotor, criando um torque constante. Elas são mantidas no lugar por um porta-escovas, que apresenta a escova e uma mola pressionando a escova contra o comutador com força suficiente para fornecer um bom contato elétrico, cujo excesso de força pode causar desgaste. O rápido desgaste das escovas pode ser causado por diversos fatores, sendo os mais comuns: baixa pressão da mola, comutador ou condição de anel ruim, porta-escovas com espaços desiguais ou fora do ponto morto.

Os motores BLDC, por sua vez, não possuem escovas para realizar essa comutação, que é feita eletronicamente por um inversor comandado por uma placa controladora. Portanto, o motor BLDC nunca deve ser estudado isoladamente sem considerar o controlador que o gerencia. Isso pode causar uma certa confusão ao chamarmos os motores BLDC de corrente contínua, uma vez que a corrente de saída do controlador é trifásica e alternada. Porém, o que importa para sua classificação é a corrente de alimentação do inversor, que deve ser contínua.

A ausência de escovas traz uma série de vantagens do motor BLDC em relação ao escovado, como o aumento da eficiência, menores perdas por atrito mecânico das escovas, consequentemente diminuindo a necessidade de manutenção e aumentando sua vida útil. Podemos citar também um torque elevado e constante e a possibilidade de operação em maiores velocidades, uma vez que no motor escovado o atrito é mais intenso em maiores velocidades ou cargas. Por outro lado, motores escovados são substancialmente mais baratos, o que pode ser interessante para aplicações não tão rigorosas em relação a eficiência e vida útil do motor.

Eficiência de diferentes tipos de motores. Imagem da internet
Eficiência de diferentes tipos de motores. Imagem da internet

Qual o princípio de funcionamento de um motor de um protótipo elétrico trifásico?

Os sistemas trifásicos são formados por três sistemas monofásicos, ou seja, três correntes alternadas diferentes em suas fases (que podem ser entendidas como a “sintonia” de uma onda). Trata-se de um sistema equilibrado, pois a soma das três correntes é nula, sendo que a potência total entregue pelas 3 fases é correspondente ao triplo da potência média entregue por cada fase, e é constante pois as componentes oscilatórias se anulam. Nos motores trifásicos, quando a corrente alternada atravessa as bobinas do estator é criado um campo magnético girante no estator. O rotor, por sua vez, é um ímã permanente que interage com o campo gerado pelo estator pela própria atração eletromagnética. Assim, o campo do rotor estará sempre tentando acompanhar a rotação do campo do estator, gerando uma força de torque no rotor e portanto transformando a energia elétrica que passa pelo estator em energia mecânica.

Imagem da constituição interna de um motor BLDC. Fonte: how to mechatronics.
Imagem da constituição interna de um motor BLDC. Fonte: how to mechatronics.

 

O que é e como funciona um controlador?

O controlador é a unidade responsável por fazer o gerenciamento contínuo de diversos parâmetros de funcionamento do motor (como velocidade, corrente elétrica, posição do rotor, etc.) a fim de atingir uma saída específica, seja ela uma demanda de torque ou velocidade. Com isso, o controlador atua corrigindo as diferenças entre o estado atual do motor e o estado desejado. 

Em um motor BLDC, o controlador é projetado para regular a velocidade ou o torque do motor em ambos os sentidos através de um algoritmo de controle para aproveitar o máximo de torque de uma mesma corrente. O controlador deve fornecer sinais de acionamento adequados às chaves de acionamento eletrônico do motor (no nosso caso transistores MOSFET do inversor responsáveis pela comutação), considerando o tempo e duração, bem como controlar a trajetória de subida/descida do motor, detectar e acomodar os problemas e falhas com o motor ou a carga.

Existem dois tipos de algoritmo de controle utilizados para motores BLDC. Primeiro, o controle trapezoidal, onde os transistores do inversor operam apenas como chaves liga ou desliga, controlando apenas uma corrente por vez que alterna entre as três fases do motor, mudando apenas de sentido. Essa forma de controle, por ser binária, é mais simples e direta, ocasionando menos perdas na comutação uma vez que os transistores ligam e desligam numa menor intensidade, além de ser mais simples de programar. Depois, temos o controle FOC (controle por campo orientado), que utiliza as transformadas Clarke e Park para decompor as correntes senoidais de cada fase em componentes “imaginárias”, ou seja, que não existem fisicamente mas possibilitam uma boa forma de controlar diretamente o torque baseando-se no princípio de que o torque é máximo quando os campos do rotor e do estator são perpendiculares entre si, fornecendo assim o melhor torque para uma determinada corrente passando pelo motor. Em contrapartida, seu controle é matematicamente e energicamente mais complexo por não ser binário, exigindo assim que os transistores liguem e desliguem numa intensidade muito maior.

As correntes “imaginárias” do FOC são controladas por controladores PI, com o objetivo de minimizar a corrente direta (a qual representa a corrente que gera um campo no estator alinhado com o campo do rotor, ou seja, não gera torque e serve apenas como perda de energia) e maximizar a corrente de quadratura (a qual representa a corrente que gera o campo perpendicular ao campo do rotor, ou seja, que maximiza o torque).

 

Para contextualização, o controle PID é um dos sistemas mais utilizados para regular qualquer variável por ser versátil e fácil de implementar. Para corrigir as diferenças entre o estado de funcionamento e o estado ideal, o controle PID une as ações derivativa, integrativa e proporcional, fazendo assim com que o sinal de erro seja minimizado pela parte proporcional, corrigido pela parte integral e antecipado pela parte derivativa. No nosso caso, é suficiente a utilização de um controlador PI, ou seja, sem a parte derivativa.

 

No nosso algoritmo de controle, utilizamos o FOC pela maior eficiência e maior disponibilidade de documentação por parte da fabricante do nosso chip.

Controle trapezoidal vs controle FOC. Fonte: https://www.mathworks.com/solutions/power-electronics-control/bldc-motor-control.html
Controle trapezoidal vs controle FOC. Fonte: https://www.mathworks.com/solutions/power-electronics-control/bldc-motor-control.html

Inversor de frequência: o que é, para que serve e como funciona?

Acabamos de explicar como funciona o “cérebro” de uma placa controladora, ou seja, a placa de controle, responsável por todos os sinais que vão para a placa de potência, onde fica o inversor.

O inversor de frequência, por sua vez, é um dispositivo eletrônico que varia a velocidade de giro de um motor elétrico trifásico, transformando a corrente elétrica contínua ( em nosso caso) ou alternada fixa em corrente alternada variável. Sua principal função é alterar a frequência da rede que alimenta o motor, gerando frequências que possibilitem alcançar o torque desejado, permitindo a modificação da velocidade de rotação do motor com mais eficiência.

É constituído de transistores MOSFET, que atuam como chaves eletrônicas e são acionados por um “gate driver”, que por sua vez recebe os sinais de controle da placa de controle.

Placas de potência (esquerda) e controle (direita) do nosso controlador. Fonte: autoria
Placas de potência (esquerda) e controle (direita) do nosso controlador. Fonte: autoria

Como é feito o controle de um motor de um protótipo elétrico?

A partir do que foi visto até então, como podemos efetuar o controle do motor de um protótipo elétrico na prática?

Primeiro, é importante escolher o tipo e o modelo do motor, observando as características de potência e torque desejadas para o nosso projeto, bem como o tipo de motor para protótipo elétrico que mais se encaixa com a proposta da competição. Como falado anteriormente, o motor BLDC é o mais adequado para a nossa aplicação, devido à sua alta eficiência energética e densidade de potência. Então, dadas as características de torque exigidas pelo departamento mecânico, optamos pelo motor BG95x80 48V da fabricante alemã Dunkermotoren e fornecido pela Ametek.

Seguindo as regras da competição citadas em artigo recente, precisamos de uma placa de controle manufaturada pela própria equipe, onde optou-se pelo microcontrolador TMS320F28069F da Texas Instruments, um chip bastante utilizado para controle de motores de média potência, com excelente documentação por parte da fabricante e bom suporte ao usuário.

As placas de controle e potência, por sua vez, foram desenvolvidas com base no kit de desenvolvimento DRV8301 também da Texas Instruments, aproveitando as implementações necessárias para nosso projeto. Já a programação dessas placas é feita através dos “labs” da Texas Instruments, onde podemos reconhecer parâmetros do motor e calibrar o algoritmo de controle. Por fim, para a competição, inserimos um potenciômetro como entrada do sistema para servir de referência para aceleração.

Dessa forma, o sistema de potência do veículo é fechado, resumindo-se a uma bateria de 48V e 5400mAh que alimenta com corrente contínua o controlador, servindo este para o gerenciamento das três fases do nosso motor BLDC de forma a garantir a maior eficiência possível.

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